António Pimenta de Brito
Observador, 22/2/2019
Tristemente e depois de vários países com centenas, milhares de casos e figuras altas da Igreja acusadas e condenadas, os negacionistas ainda existem. Sejam eles noutros países, mas no nosso também.
Nunca pensei algum dia, como crente católico, poder vir a dizer que sou anticlerical. Sempre me ensinaram na minha fé que, pela história, os maus da fita eram os anticlericais. Desde os “jacobinos” aos “mata-frades”, estes eram os “anticlericais”. Desde a repressão dos religiosos do tempo da revolução francesa, do Marquês de Pombal e da extinção das ordens religiosas, ao tempo da República. Em parte, eram de facto os maus da fita, pois reprimiram o clero de forma violenta, intolerante e injusta, resta saber se existiam razões legítimas para a animosidade. Não sei, não investiguei. Sei que Lutero tinha algumas razões para a rutura que fez, mesmo que como católico não concorde com a forma como lidou com a decadência do clero. A Igreja é como a família. Amamo-la e por isso nos chateamos mais quando nos desgosta, mas não a abandonamos. No que pudermos, tentamos mudá-la de dentro, começando por nós mesmos.
Hoje em dia o termo ganhou outro significado com o Papa Francisco, o qual diz que o “clericalismo é um cancro”. Sei que muito antes, vinha já do Concílio Vaticano II esta urgência da Igreja ir ao encontro do mundo, dar outro papel aos leigos e não ficar na sua autorreferencialidade. Passados mais de 50 anos sobre Concílio, o Papa Francisco faz o diagnóstico: há ainda um grande caminho por trilhar para erradicar esta doença.
O que é o clericalismo? É a concentração do clero no seu poder e não no serviço aos outros. Este comportamento vem de clérigos como de leigos. Como diz o Papa, devemos trocar isto pela “cultura do encontro” e pelo “testemunho”. Este fenómeno nunca esteve tão patente na crise dos abusos sexuais, em que a causa é o próprio clericalismo, segundo o Papa. Tristemente e depois de vários países com centenas, milhares de casos e figuras altas da Igreja acusadas e condenadas, os negacionistas ainda existem. Sejam eles noutros países, mas no nosso também. A recente investigação dos abusos em Portugal, pelo Observador, até bastante equilibrada, diga-se, também levou com as críticas dos habituais negacionistas. “Não é bem assim”, “os outros também fazem”. Há ainda os tradicionalistas que referem que o problema é a homossexualidade dentro da Igreja. Pergunto aos mesmos, há dados concretos – provas – dessa afirmação? Uma coisa é falar por alto, outra concretizar com números. Não vi e posso não estar informado, mas não creio que: 1) a maioria dos padres seja homossexual; 2) que os que sejam, sejam pedófilos. Há uma diferença entre ser homossexual e pedófilo e, segundo um dos porta vozes das vítimas, a maioria das mesmas são mulheres. Além disso, basta pensarmos em algo simples: a maioria das pessoas são heterossexuais, sendo uma minoria homossexual. Isso não é diferente no clero, com certeza. As pessoas esquecem-se de outro desequilíbrio sexual, a heterossexualidade também pode ser descontrolada e pouco madura.
O caso mais abstruso do negacionismo que encontrei recentemente foi agora aquando da redução ao laicado do Cardeal McCarrick. Um padre português muito ativo nas redes sociais, de nome João Vila-Chã, no Facebook afirmar que o Cardeal “não é pedófilo; está acusado de abusos, sexuais e de poder, mas não por ser pedófilo”. O Cardeal abusou de um menor, mas não é pedófilo, segundo este Padre. É esta a mensagem de um clérigo, até bastante seguido por gente muito ilustre. São estes os burocratas da religião. A seguir, até uma jornalista de um conhecido portal católico o apoiou dizendo esta preciosidade, “há que distinguir abusos, de pedofilia”.
Mais: um padre amigo, uma pessoa que até prezo como boa pessoa, disse-me que se forem abusos em contexto de família, “vai-se denunciar um familiar?”. Se vejo isto em pessoas que considero idóneas, quanto mais em outros? É por isto que estamos como estamos. Não nos enganemos, ainda não mudámos de tempo: negamos, encobrimos, menorizamos, ignoramos, o desejo desesperado de proteger e “defender” a Igreja sobrepõe-se a qualquer noção de verdade e bom senso, já para não falar de que não protege o principal: as vítimas. Esta insensibilidade é a “indiferença”, segundo o Papa Francisco, que grassa nos nossos tempos, a doença do nosso século, a qual também chegou à Igreja.
O Pe. Manuel Barbosa, secretário da Conferência Episcopal, reagiu às investigações do Observador desta forma: “foram só” (não sei quantos casos), “Os outros o que estão a fazer?”, “Vai dar ao mesmo”(ir ao encontro ou esperar pelos testemunhos dos abusos). Senhor Pe., não vai dar ao mesmo esperar pelo testemunho ou ir ao encontro. Estas pessoas estão fragilizadas, é preciso ouvir mas tomar a iniciativa, como diz o Papa Francisco. Não consta que o samaritano estivesse à espera que o que foi assaltado por ladrões se levantasse e fosse ter com ele. Não interessa estar sempre a dizer que devemos ser uma “Igreja em saída” e “ir ao encontro” e depois ficar sentado no palácio com medo de se sujar e manchar a imagem da Igreja. Ela está, sim, manchada “do sangue do cordeiro”, D’ Ele, mas também do sangue de inocentes que carregam esta cruz.
Tristemente e depois de vários países com centenas, milhares de casos e figuras altas da Igreja acusadas e condenadas, os negacionistas ainda existem. Sejam eles noutros países, mas no nosso também.
Nunca pensei algum dia, como crente católico, poder vir a dizer que sou anticlerical. Sempre me ensinaram na minha fé que, pela história, os maus da fita eram os anticlericais. Desde os “jacobinos” aos “mata-frades”, estes eram os “anticlericais”. Desde a repressão dos religiosos do tempo da revolução francesa, do Marquês de Pombal e da extinção das ordens religiosas, ao tempo da República. Em parte, eram de facto os maus da fita, pois reprimiram o clero de forma violenta, intolerante e injusta, resta saber se existiam razões legítimas para a animosidade. Não sei, não investiguei. Sei que Lutero tinha algumas razões para a rutura que fez, mesmo que como católico não concorde com a forma como lidou com a decadência do clero. A Igreja é como a família. Amamo-la e por isso nos chateamos mais quando nos desgosta, mas não a abandonamos. No que pudermos, tentamos mudá-la de dentro, começando por nós mesmos.
Hoje em dia o termo ganhou outro significado com o Papa Francisco, o qual diz que o “clericalismo é um cancro”. Sei que muito antes, vinha já do Concílio Vaticano II esta urgência da Igreja ir ao encontro do mundo, dar outro papel aos leigos e não ficar na sua autorreferencialidade. Passados mais de 50 anos sobre Concílio, o Papa Francisco faz o diagnóstico: há ainda um grande caminho por trilhar para erradicar esta doença.
O que é o clericalismo? É a concentração do clero no seu poder e não no serviço aos outros. Este comportamento vem de clérigos como de leigos. Como diz o Papa, devemos trocar isto pela “cultura do encontro” e pelo “testemunho”. Este fenómeno nunca esteve tão patente na crise dos abusos sexuais, em que a causa é o próprio clericalismo, segundo o Papa. Tristemente e depois de vários países com centenas, milhares de casos e figuras altas da Igreja acusadas e condenadas, os negacionistas ainda existem. Sejam eles noutros países, mas no nosso também. A recente investigação dos abusos em Portugal, pelo Observador, até bastante equilibrada, diga-se, também levou com as críticas dos habituais negacionistas. “Não é bem assim”, “os outros também fazem”. Há ainda os tradicionalistas que referem que o problema é a homossexualidade dentro da Igreja. Pergunto aos mesmos, há dados concretos – provas – dessa afirmação? Uma coisa é falar por alto, outra concretizar com números. Não vi e posso não estar informado, mas não creio que: 1) a maioria dos padres seja homossexual; 2) que os que sejam, sejam pedófilos. Há uma diferença entre ser homossexual e pedófilo e, segundo um dos porta vozes das vítimas, a maioria das mesmas são mulheres. Além disso, basta pensarmos em algo simples: a maioria das pessoas são heterossexuais, sendo uma minoria homossexual. Isso não é diferente no clero, com certeza. As pessoas esquecem-se de outro desequilíbrio sexual, a heterossexualidade também pode ser descontrolada e pouco madura.
O caso mais abstruso do negacionismo que encontrei recentemente foi agora aquando da redução ao laicado do Cardeal McCarrick. Um padre português muito ativo nas redes sociais, de nome João Vila-Chã, no Facebook afirmar que o Cardeal “não é pedófilo; está acusado de abusos, sexuais e de poder, mas não por ser pedófilo”. O Cardeal abusou de um menor, mas não é pedófilo, segundo este Padre. É esta a mensagem de um clérigo, até bastante seguido por gente muito ilustre. São estes os burocratas da religião. A seguir, até uma jornalista de um conhecido portal católico o apoiou dizendo esta preciosidade, “há que distinguir abusos, de pedofilia”.
Mais: um padre amigo, uma pessoa que até prezo como boa pessoa, disse-me que se forem abusos em contexto de família, “vai-se denunciar um familiar?”. Se vejo isto em pessoas que considero idóneas, quanto mais em outros? É por isto que estamos como estamos. Não nos enganemos, ainda não mudámos de tempo: negamos, encobrimos, menorizamos, ignoramos, o desejo desesperado de proteger e “defender” a Igreja sobrepõe-se a qualquer noção de verdade e bom senso, já para não falar de que não protege o principal: as vítimas. Esta insensibilidade é a “indiferença”, segundo o Papa Francisco, que grassa nos nossos tempos, a doença do nosso século, a qual também chegou à Igreja.
O Pe. Manuel Barbosa, secretário da Conferência Episcopal, reagiu às investigações do Observador desta forma: “foram só” (não sei quantos casos), “Os outros o que estão a fazer?”, “Vai dar ao mesmo” (ir ao encontro ou esperar pelos testemunhos dos abusos). Senhor Pe., não vai dar ao mesmo esperar pelo testemunho ou ir ao encontro. Estas pessoas estão fragilizadas, é preciso ouvir mas tomar a iniciativa, como diz o Papa Francisco. Não consta que o samaritano estivesse à espera que o que foi assaltado por ladrões se levantasse e fosse ter com ele. Não interessa estar sempre a dizer que devemos ser uma “Igreja em saída” e “ir ao encontro” e depois ficar sentado no palácio com medo de se sujar e manchar a imagem da Igreja. Ela está, sim, manchada “do sangue do cordeiro”, D’ Ele, mas também do sangue de inocentes que carregam esta cruz.
Gestor, co-fundador do site datescatolicos.org